quarta-feira, 27 de junho de 2012




                          MEMÓRIAS DA CASA DOS MORTOS- Fiódor M. Dostoiévski




                                       Retrato de Fiódor Dostoiévski (1872), por
                                       Vassilij G. Perov.        (Fonte: Wikipédia)


Categoria: Romance russo
Introdução: Otto Maria Carpeaux
Idioma original: Russo
Título do original russo: Zapiski iz Mërtvago Doma
Tradução e notas: Natália Nunes
Editora: Edições de ouro 

Leitura realizada entre os dias 02/05 a 30/05 de 2012 

            A história de Dostoiévski, desta vez, é a narrativa autoretratada da própria vida do autor. Segundo relatos constantes no prefácio do livro, Dostoiévski foi enviado para uma prisão na Sibéria aos 28 anos de idade, tendo sido identificado por forças militares como agitador político. Nesse livro Dostoiévski conta as agruras sofridas pelos detentos num sistema prisional opressor e repulsivo. Opressor porque, evidentemente, todo sistema prisional deve ser opressor, haja vista a finalidade do mesmo que é a da remissão, ainda que involuntária, daqueles que nele se encontram. Repulsivo por reduzir a vida dos presos, em muitos casos, à condição de extremo sofrimento, não apenas físico, mas principalmente psicológico.
            Dostoévski relata os castigos corporais, a falta de higiene nas celas, o descaso com a alimentação, a quantidade imensa de pequenos desregramentos no sistema prisional e um cem número de outras irregularidades que, mesmo constituintes de uma espécie não rara de corrupção, ajudavam a manter em ordem a tênue separação entre paz e violência no presídio. Tal qual um perfeito psicólogo, ele relata acontecimentos que demonstram a passividade dos presos reduzidos à subserviência debaixo de vergastadas e situações vexatórias. Homens imensos se acotovelando num emaranhado de projetos malogrados, recordações de família, desejos desfeitos, atitudes extremadas, sonhos mirabolantes e tentativas frustradas. Com sua sutileza observadora, tão bem retratada nos outros livros, Dostoiévski consegue expor o espírito humano quase como que aprisionado numa redoma de vidro. Ele trabalha com o imponderável e o indefinível, que é a alma humana, quando confrontada com situações de penúria e sofrimento. O próprio Dostoiévski, em algumas situações, parece não se reconhecer tamanhas as mudanças operadas em seu íntimo. Ainda assim, como lembra Otto Maria Carpeaux na introdução do livro, não há uma denúncia explícita do autor com o intuito de se apontar como injustiçado. Dostoiévski está bem consciente de suas faltas e reconhece a soberania do Estado que o aprisionou.
            Num trecho, refletindo sobre certo velho prisioneiro, afirmou: Pode ser que eu esteja enganado, mas parece-me que se pode conhecer os homens pela maneira de rir e que, quando surpreendemos um riso afetuoso na boca de alguém que não conhecemos, podemos afirmar que se trata de uma boa pessoa (pg. 73). No entanto, vezes seguidas Dostoiévski se vê diante de situações incomuns e inexplicáveis para ele. Como quando relata, após haver censurado um homem pelo péssimo serviço feito em seu favor: Era a primeira vez que eu via um homem chorar no presídio. Consolei-o e, embora a partir daí começasse a servir-me ainda com mais boa vontade do que dantes, se isso era possível, e a olhar por mim, apesar de tudo, por alguns indícios quase imperceptíveis, pude reconhecer que, no seu coração, não me perdoava a minha censura. E, no entanto, os outros troçavam todos dele, feriam-no, em circunstâncias semelhantes, insultavam-no, às vezes gravemente, e ele estava sempre bem com eles e nunca se zangava. Sim, é muito difícil compreender os homens, mesmo em longos anos de convívio! Importa dizer aqui que Dostoiévski vivia situação de "superioridade" na prisão por fazer parte da classe nobre na Rússia, por isso, devido ao dinheiro que recebia continuamente de parentes, podia pagar por algumas pequenas regalias.
            Enfim, nessa história Dostoiévski procura descrever da melhor maneira possível as impressões marcantes que lhe ficaram na alma durante os anos de prisão. Por isso transita, obviamente, entre relatos que tristes ou felizes demonstram a crueza dos homens na condição de prisioneiros. É dessa forma que ele nos conta sobre um detento que, tendo sido o próprio assassino do pai, por conta de pomposa herança, se referia ao fato friamente enquanto situava os períodos de sua vida entre antes e depois da "morte" dele. Por outro lado outro criminoso, numa defesa da honra e da necessidade de sobrevivência, durante as noites frias ou quentes lastimava a própria sorte chorando voltado para a parede. Memórias Da Casa Dos Mortos é um livro interessante e necessário para nosso conhecimento do mundo, da vida e das nuances psicológicas das quais o ser humano é formado.



Observação: Curiosamente Dostoiévski não relata casos de homossexualismo na prisão. Por todo o livro há relato de conflitos constantes e dificuldades de adaptação. Homens enormes que, exatamente por isso, subjugam os mais fracos. Influências geradas por dinheiro e relações de poder na prisão. No entanto nada é dito a respeito de relações homossexuais.
 

Apresentação: Na apresentação de Otto Maria Carpeax o mesmo afirma: O livro é a crônica exata dos quatro anos passados na prisão de Omsk. É estritamente autobiográfico. No entanto, Dostoiévsk resolveu disfarçar esse fato. Apresentou as memórias como as de um criminoso condenado a 10 anos de prisão por ter assassinado sua mulher.


Introdução (pgs. 43 a 46).

Capítulo I (pgs. 46 a 57): Um criminoso, agora livre após 10 anos de confinamento, principia sua história apresentando a estrutura da prisão onde havia ficado. Em seguida relata as dificuldades físicas e psicológicas vivenciadas por ele no contato com as pessoas do mundo fora da prisão. 

Capítulo II (pgs. 58 a 71): Primeiras impressões acerca das condições no presídio. São relatadas intrigas e contendas entre os presidiários.  

Capítulo III (pgs. 71 a 83): Sequência das primeiras impressões onde são descritos alguns indivíduos interessantes posto que grosseiros ou pacíficos, dependendo da situação. 

Capítulo IV (pgs. 83 a 96): Continuação das primeiras impressões com a observação meticulosa do autor da história no sentido de entender as atitudes de seus colegas de prisão. 

Capítulo V (pgs. 97 a 108): Primeiros contatos com o trabalho forçado. Acertos e erros no trato com os colegas de cela. 

Capítulo VI (pgs. 108 a 119): Caridade e dinheiro no presídio. Relato da condição nobre do escritor da história.

Capítulo VII (pgs. 119 a 129): Tipos estranhos e homens violentos com quem se convivia diariamente. 

Capítulo VIII ( pgs. 129 a 134): Relato sobre os homens temíveis e suas atitudes brandas no convívio com os outros presidiários. 

Capítulo IX (pgs. 134 a 147): Chegada do natal e preparação de festas. Um preso relata sua prisão ocasionada pela paixão desenfreada por uma mulher. 

Capítulo X (pgs. 147 a 159): Continuação das festas no natal. Recebimento de donativos e grandes alegrias no presídio. 

Capítulo XI (pgs. 159 a 175): Representação teatral no presídio. Participação total dos presos e organização cuidadosa dos eventos. 

Capítulo XII (pgs. 175 a 186): Apresentação do hospital do presídio. As dificuldades ligadas à falta de higiene e estrutura para o cuidado com os presos. Conflitos constantes. 

Capítulo XIII (pgs. 186 a 197): Continuação da apresentação do hospital e seus problemas internos. 

Capítulo XIV (pgs. 197 a 211): Conclusão da narrativa referente aos problemas enfrentados no hospital. 

Capítulo XV (pgs. 211 a 219): O narrador nos conta uma história ouvida ocasionalmente durante a madrugada. Tratava-se da história de um assassinato de uma mulher chamada Akulhka. Um relato confuso onde costumes, tradição e truculência se uniram para a perpetração do crime. 

Capítulo XVI – (pgs. 219 a 232): Acontecimentos relacionados ao verão transcorrido na prisão. 

Capítulo XVII – (pgs. 233 a 242): Relato a respeito dos animais admitidos na prisão. Aqui Dostoiévski faz considerações interessantes sobre o modo como os presos se portaram para a compra de um novo cavalo. Foi um momento de felicidade e autoestima para muitos. 

Capítulo XVIII – (pgs. 242 a 256): Principio de revolta na empresa devido à falta de alimentação adequada. Muito comum a expressão “couve com baratas”

Capítulo XIX – (pgs. 256 a 267): Reflexão do narrador sobre companheirismo e relacionamentos amigáveis no presídio. 

Capítulo XX – (pgs. 267 a 278): Relatos breves a respeito de uma fuga. 

Capítulo XXI – (pgs. 278 a 282): Enfim a saída do presídio e as expectativas para a tão sonhada liberdade.