MEMÓRIAS
DA CASA DOS MORTOS- Fiódor M. Dostoiévski
Vassilij G. Perov. (Fonte: Wikipédia)
Categoria: Romance russo
Introdução: Otto Maria Carpeaux
Idioma original: Russo
Título do original russo: Zapiski iz Mërtvago Doma
Tradução e notas: Natália Nunes
Editora: Edições de ouro
Leitura realizada entre os dias 02/05 a 30/05 de 2012
A
história de Dostoiévski, desta vez, é a narrativa autoretratada da própria vida
do autor. Segundo relatos constantes no prefácio do livro, Dostoiévski foi
enviado para uma prisão na Sibéria aos 28 anos de idade, tendo sido
identificado por forças militares como agitador político. Nesse livro
Dostoiévski conta as agruras sofridas pelos detentos num sistema prisional
opressor e repulsivo. Opressor porque, evidentemente, todo sistema prisional
deve ser opressor, haja vista a finalidade do mesmo que é a da remissão, ainda
que involuntária, daqueles que nele se encontram. Repulsivo por reduzir a vida
dos presos, em muitos casos, à condição de extremo sofrimento, não apenas
físico, mas principalmente psicológico.
Dostoévski
relata os castigos corporais, a falta de higiene nas celas, o descaso com a
alimentação, a quantidade imensa de pequenos desregramentos no sistema
prisional e um cem número de outras irregularidades que, mesmo constituintes de
uma espécie não rara de corrupção, ajudavam a manter em ordem a tênue separação
entre paz e violência no presídio. Tal qual um perfeito psicólogo, ele relata
acontecimentos que demonstram a passividade dos presos reduzidos à
subserviência debaixo de vergastadas e situações vexatórias. Homens imensos se
acotovelando num emaranhado de projetos malogrados, recordações de família,
desejos desfeitos, atitudes extremadas, sonhos mirabolantes e tentativas
frustradas. Com sua sutileza observadora, tão bem retratada nos outros livros,
Dostoiévski consegue expor o espírito humano quase como que aprisionado numa
redoma de vidro. Ele trabalha com o imponderável e o indefinível, que é a alma
humana, quando confrontada com situações de penúria e sofrimento. O próprio
Dostoiévski, em algumas situações, parece não se reconhecer tamanhas as
mudanças operadas em seu íntimo. Ainda assim, como lembra Otto Maria Carpeaux
na introdução do livro, não há uma denúncia explícita do autor com o intuito de
se apontar como injustiçado. Dostoiévski está bem consciente de suas faltas e
reconhece a soberania do Estado que o aprisionou.
Num
trecho, refletindo sobre certo velho prisioneiro, afirmou: Pode ser que eu esteja enganado, mas parece-me que se pode conhecer os
homens pela maneira de rir e que, quando surpreendemos um riso afetuoso na boca
de alguém que não conhecemos, podemos afirmar que se trata de uma boa pessoa
(pg. 73). No entanto, vezes seguidas Dostoiévski se vê diante de situações
incomuns e inexplicáveis para ele. Como quando relata, após haver censurado um
homem pelo péssimo serviço feito em seu favor: Era a primeira vez que eu via um homem chorar no presídio. Consolei-o
e, embora a partir daí começasse a servir-me ainda com mais boa vontade do que
dantes, se isso era possível, e a olhar por mim, apesar de tudo, por alguns
indícios quase imperceptíveis, pude reconhecer que, no seu coração, não me
perdoava a minha censura. E, no entanto, os outros troçavam todos dele,
feriam-no, em circunstâncias semelhantes, insultavam-no, às vezes gravemente, e
ele estava sempre bem com eles e nunca se zangava. Sim, é muito difícil
compreender os homens, mesmo em longos anos de convívio! Importa dizer aqui
que Dostoiévski vivia situação de "superioridade" na prisão por fazer
parte da classe nobre na Rússia, por isso, devido ao dinheiro que recebia
continuamente de parentes, podia pagar por algumas pequenas regalias.
Enfim,
nessa história Dostoiévski procura descrever da melhor maneira possível as
impressões marcantes que lhe ficaram na alma durante os anos de prisão. Por
isso transita, obviamente, entre relatos que tristes ou felizes demonstram a
crueza dos homens na condição de prisioneiros. É dessa forma que ele nos
conta sobre um detento que, tendo sido o próprio assassino do pai, por conta de
pomposa herança, se referia ao fato friamente enquanto situava os períodos de
sua vida entre antes e depois da "morte" dele. Por outro lado outro
criminoso, numa defesa da honra e da necessidade de sobrevivência, durante as
noites frias ou quentes lastimava a própria sorte chorando voltado para a
parede. Memórias Da Casa Dos Mortos é um livro interessante e necessário para
nosso conhecimento do mundo, da vida e das nuances psicológicas das quais o ser
humano é formado.
Observação: Curiosamente
Dostoiévski não relata casos de homossexualismo na prisão. Por todo o livro há
relato de conflitos constantes e dificuldades de adaptação. Homens enormes
que, exatamente por isso, subjugam os mais fracos. Influências geradas por
dinheiro e relações de poder na prisão. No entanto nada é dito a respeito de
relações homossexuais.
Apresentação: Na apresentação de Otto Maria Carpeax o mesmo
afirma: O livro é a crônica exata dos
quatro anos passados na prisão de Omsk. É estritamente autobiográfico. No
entanto, Dostoiévsk resolveu disfarçar esse fato. Apresentou as memórias como
as de um criminoso condenado a 10 anos de prisão por ter assassinado sua
mulher.
Introdução (pgs. 43 a 46).
Capítulo I (pgs. 46 a 57):
Um criminoso, agora livre após 10 anos de confinamento, principia sua história
apresentando a estrutura da prisão onde havia ficado. Em seguida relata as
dificuldades físicas e psicológicas vivenciadas por ele no contato com as
pessoas do mundo fora da prisão.
Capítulo II (pgs. 58 a
71): Primeiras impressões acerca das condições no presídio. São relatadas
intrigas e contendas entre os presidiários.
Capítulo III (pgs. 71 a
83): Sequência das primeiras impressões onde são descritos alguns indivíduos
interessantes posto que grosseiros ou pacíficos, dependendo da situação.
Capítulo IV (pgs. 83 a 96):
Continuação das primeiras impressões com a observação meticulosa do autor da
história no sentido de entender as atitudes de seus colegas de prisão.
Capítulo V (pgs. 97 a
108): Primeiros contatos com o trabalho forçado. Acertos e erros no trato com
os colegas de cela.
Capítulo VI (pgs. 108 a 119):
Caridade e dinheiro no presídio. Relato da condição nobre do escritor da
história.
Capítulo VII (pgs. 119 a 129):
Tipos estranhos e homens violentos com quem se convivia diariamente.
Capítulo VIII ( pgs. 129 a 134):
Relato sobre os homens temíveis e suas atitudes brandas no convívio com os
outros presidiários.
Capítulo IX (pgs. 134 a 147):
Chegada do natal e preparação de festas. Um preso relata sua prisão ocasionada
pela paixão desenfreada por uma mulher.
Capítulo X (pgs. 147 a 159):
Continuação das festas no natal. Recebimento de donativos e grandes alegrias no
presídio.
Capítulo XI (pgs. 159 a 175):
Representação teatral no presídio. Participação total dos presos e organização
cuidadosa dos eventos.
Capítulo XII (pgs. 175 a 186):
Apresentação do hospital do presídio. As dificuldades ligadas à falta de
higiene e estrutura para o cuidado com os presos. Conflitos constantes.
Capítulo XIII (pgs. 186 a 197):
Continuação da apresentação do hospital e seus problemas internos.
Capítulo XIV (pgs. 197 a 211):
Conclusão da narrativa referente aos problemas enfrentados no hospital.
Capítulo XV (pgs. 211 a 219): O
narrador nos conta uma história ouvida ocasionalmente durante a madrugada.
Tratava-se da história de um assassinato de uma mulher chamada Akulhka. Um
relato confuso onde costumes, tradição e truculência se uniram para a
perpetração do crime.
Capítulo XVI – (pgs. 219 a 232):
Acontecimentos relacionados ao verão transcorrido na prisão.
Capítulo XVII – (pgs. 233 a 242):
Relato a respeito dos animais admitidos na prisão. Aqui Dostoiévski faz
considerações interessantes sobre o modo como os presos se portaram para a
compra de um novo cavalo. Foi um momento de felicidade e autoestima para
muitos.
Capítulo XVIII – (pgs. 242 a
256): Principio de revolta na empresa devido à falta de alimentação adequada.
Muito comum a expressão “couve com baratas”
Capítulo XIX – (pgs. 256 a 267):
Reflexão do narrador sobre companheirismo e relacionamentos amigáveis no
presídio.
Capítulo XX – (pgs. 267 a 278):
Relatos breves a respeito de uma fuga.
Capítulo XXI – (pgs. 278 a 282):
Enfim a saída do presídio e as expectativas para a tão sonhada liberdade.