quarta-feira, 27 de junho de 2012




                          MEMÓRIAS DA CASA DOS MORTOS- Fiódor M. Dostoiévski




                                       Retrato de Fiódor Dostoiévski (1872), por
                                       Vassilij G. Perov.        (Fonte: Wikipédia)


Categoria: Romance russo
Introdução: Otto Maria Carpeaux
Idioma original: Russo
Título do original russo: Zapiski iz Mërtvago Doma
Tradução e notas: Natália Nunes
Editora: Edições de ouro 

Leitura realizada entre os dias 02/05 a 30/05 de 2012 

            A história de Dostoiévski, desta vez, é a narrativa autoretratada da própria vida do autor. Segundo relatos constantes no prefácio do livro, Dostoiévski foi enviado para uma prisão na Sibéria aos 28 anos de idade, tendo sido identificado por forças militares como agitador político. Nesse livro Dostoiévski conta as agruras sofridas pelos detentos num sistema prisional opressor e repulsivo. Opressor porque, evidentemente, todo sistema prisional deve ser opressor, haja vista a finalidade do mesmo que é a da remissão, ainda que involuntária, daqueles que nele se encontram. Repulsivo por reduzir a vida dos presos, em muitos casos, à condição de extremo sofrimento, não apenas físico, mas principalmente psicológico.
            Dostoévski relata os castigos corporais, a falta de higiene nas celas, o descaso com a alimentação, a quantidade imensa de pequenos desregramentos no sistema prisional e um cem número de outras irregularidades que, mesmo constituintes de uma espécie não rara de corrupção, ajudavam a manter em ordem a tênue separação entre paz e violência no presídio. Tal qual um perfeito psicólogo, ele relata acontecimentos que demonstram a passividade dos presos reduzidos à subserviência debaixo de vergastadas e situações vexatórias. Homens imensos se acotovelando num emaranhado de projetos malogrados, recordações de família, desejos desfeitos, atitudes extremadas, sonhos mirabolantes e tentativas frustradas. Com sua sutileza observadora, tão bem retratada nos outros livros, Dostoiévski consegue expor o espírito humano quase como que aprisionado numa redoma de vidro. Ele trabalha com o imponderável e o indefinível, que é a alma humana, quando confrontada com situações de penúria e sofrimento. O próprio Dostoiévski, em algumas situações, parece não se reconhecer tamanhas as mudanças operadas em seu íntimo. Ainda assim, como lembra Otto Maria Carpeaux na introdução do livro, não há uma denúncia explícita do autor com o intuito de se apontar como injustiçado. Dostoiévski está bem consciente de suas faltas e reconhece a soberania do Estado que o aprisionou.
            Num trecho, refletindo sobre certo velho prisioneiro, afirmou: Pode ser que eu esteja enganado, mas parece-me que se pode conhecer os homens pela maneira de rir e que, quando surpreendemos um riso afetuoso na boca de alguém que não conhecemos, podemos afirmar que se trata de uma boa pessoa (pg. 73). No entanto, vezes seguidas Dostoiévski se vê diante de situações incomuns e inexplicáveis para ele. Como quando relata, após haver censurado um homem pelo péssimo serviço feito em seu favor: Era a primeira vez que eu via um homem chorar no presídio. Consolei-o e, embora a partir daí começasse a servir-me ainda com mais boa vontade do que dantes, se isso era possível, e a olhar por mim, apesar de tudo, por alguns indícios quase imperceptíveis, pude reconhecer que, no seu coração, não me perdoava a minha censura. E, no entanto, os outros troçavam todos dele, feriam-no, em circunstâncias semelhantes, insultavam-no, às vezes gravemente, e ele estava sempre bem com eles e nunca se zangava. Sim, é muito difícil compreender os homens, mesmo em longos anos de convívio! Importa dizer aqui que Dostoiévski vivia situação de "superioridade" na prisão por fazer parte da classe nobre na Rússia, por isso, devido ao dinheiro que recebia continuamente de parentes, podia pagar por algumas pequenas regalias.
            Enfim, nessa história Dostoiévski procura descrever da melhor maneira possível as impressões marcantes que lhe ficaram na alma durante os anos de prisão. Por isso transita, obviamente, entre relatos que tristes ou felizes demonstram a crueza dos homens na condição de prisioneiros. É dessa forma que ele nos conta sobre um detento que, tendo sido o próprio assassino do pai, por conta de pomposa herança, se referia ao fato friamente enquanto situava os períodos de sua vida entre antes e depois da "morte" dele. Por outro lado outro criminoso, numa defesa da honra e da necessidade de sobrevivência, durante as noites frias ou quentes lastimava a própria sorte chorando voltado para a parede. Memórias Da Casa Dos Mortos é um livro interessante e necessário para nosso conhecimento do mundo, da vida e das nuances psicológicas das quais o ser humano é formado.



Observação: Curiosamente Dostoiévski não relata casos de homossexualismo na prisão. Por todo o livro há relato de conflitos constantes e dificuldades de adaptação. Homens enormes que, exatamente por isso, subjugam os mais fracos. Influências geradas por dinheiro e relações de poder na prisão. No entanto nada é dito a respeito de relações homossexuais.
 

Apresentação: Na apresentação de Otto Maria Carpeax o mesmo afirma: O livro é a crônica exata dos quatro anos passados na prisão de Omsk. É estritamente autobiográfico. No entanto, Dostoiévsk resolveu disfarçar esse fato. Apresentou as memórias como as de um criminoso condenado a 10 anos de prisão por ter assassinado sua mulher.


Introdução (pgs. 43 a 46).

Capítulo I (pgs. 46 a 57): Um criminoso, agora livre após 10 anos de confinamento, principia sua história apresentando a estrutura da prisão onde havia ficado. Em seguida relata as dificuldades físicas e psicológicas vivenciadas por ele no contato com as pessoas do mundo fora da prisão. 

Capítulo II (pgs. 58 a 71): Primeiras impressões acerca das condições no presídio. São relatadas intrigas e contendas entre os presidiários.  

Capítulo III (pgs. 71 a 83): Sequência das primeiras impressões onde são descritos alguns indivíduos interessantes posto que grosseiros ou pacíficos, dependendo da situação. 

Capítulo IV (pgs. 83 a 96): Continuação das primeiras impressões com a observação meticulosa do autor da história no sentido de entender as atitudes de seus colegas de prisão. 

Capítulo V (pgs. 97 a 108): Primeiros contatos com o trabalho forçado. Acertos e erros no trato com os colegas de cela. 

Capítulo VI (pgs. 108 a 119): Caridade e dinheiro no presídio. Relato da condição nobre do escritor da história.

Capítulo VII (pgs. 119 a 129): Tipos estranhos e homens violentos com quem se convivia diariamente. 

Capítulo VIII ( pgs. 129 a 134): Relato sobre os homens temíveis e suas atitudes brandas no convívio com os outros presidiários. 

Capítulo IX (pgs. 134 a 147): Chegada do natal e preparação de festas. Um preso relata sua prisão ocasionada pela paixão desenfreada por uma mulher. 

Capítulo X (pgs. 147 a 159): Continuação das festas no natal. Recebimento de donativos e grandes alegrias no presídio. 

Capítulo XI (pgs. 159 a 175): Representação teatral no presídio. Participação total dos presos e organização cuidadosa dos eventos. 

Capítulo XII (pgs. 175 a 186): Apresentação do hospital do presídio. As dificuldades ligadas à falta de higiene e estrutura para o cuidado com os presos. Conflitos constantes. 

Capítulo XIII (pgs. 186 a 197): Continuação da apresentação do hospital e seus problemas internos. 

Capítulo XIV (pgs. 197 a 211): Conclusão da narrativa referente aos problemas enfrentados no hospital. 

Capítulo XV (pgs. 211 a 219): O narrador nos conta uma história ouvida ocasionalmente durante a madrugada. Tratava-se da história de um assassinato de uma mulher chamada Akulhka. Um relato confuso onde costumes, tradição e truculência se uniram para a perpetração do crime. 

Capítulo XVI – (pgs. 219 a 232): Acontecimentos relacionados ao verão transcorrido na prisão. 

Capítulo XVII – (pgs. 233 a 242): Relato a respeito dos animais admitidos na prisão. Aqui Dostoiévski faz considerações interessantes sobre o modo como os presos se portaram para a compra de um novo cavalo. Foi um momento de felicidade e autoestima para muitos. 

Capítulo XVIII – (pgs. 242 a 256): Principio de revolta na empresa devido à falta de alimentação adequada. Muito comum a expressão “couve com baratas”

Capítulo XIX – (pgs. 256 a 267): Reflexão do narrador sobre companheirismo e relacionamentos amigáveis no presídio. 

Capítulo XX – (pgs. 267 a 278): Relatos breves a respeito de uma fuga. 

Capítulo XXI – (pgs. 278 a 282): Enfim a saída do presídio e as expectativas para a tão sonhada liberdade.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Sto. Agostinho - Resumo: Cidade de Deus (livro 1)


                                                     
                                                
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Categoria: Filosofia/Teologia
Idioma original: Latim
Título original: De civitate Dei
Tradução: Oscar Paes Leme
Editora: Editora Vozes, 1989 (12ª Edição)

Leitura completa em execução desde 03/12

Introdução: Trata-se de um livro complexo, mas pertinente para quem gosta de filosofia e teologia. Tal resumo não pretende ser a obra de um especialista, visto que, nesse sentido, estou dando meus primeiros passos. Espero apenas poder contribuir um pouco com aqueles que se interessam pelos textos de Sto. Agostinho. No entanto reconheço minha pequenez diante de um trabalho tão grandioso. Se conseguir despertar em alguns o interesse pela leitura desse "GIGANTE" do pensamento cristão, já me dou por satisfeito. 


Capítulo I – Defesa do cristianismo frente à acusação dos romanos de que os cristãos eram responsáveis pela desgraça do império.
Capítulo II – Não houve guerra pagã na qual se poupassem os adoradores de um deus por amor de outro. Sto Agostinho cita Enéias Príamo e também a deusa Minerva.

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Enéias Príamo: Príamo (em grego antigo Πρίαμος, transl. Príamos), na mitologia grega, foi rei de Troia durante a Guerra de Troia, e era filho de Laomedonte.Seu nome original era Podarces. Quando Héracles capturou Troia e entregou sua irmã Hesíone como escrava de presente para Telamon, Héracles disse que Hesíone poderia escolher qualquer um e levar com ela, Hesíone então escolheu seu irmão. Héracles disse que Podarces deveria primeiro virar escravo, e depois ser resgatado por ela; quando Podarces estava sendo vendido Hesíone tirou seu véu e usou-o para resgatá-lo, por este motivo ele mudou seu nome para Príamo, que significa "resgatado".Teve várias esposas e muitos filhos. Quando os gregos entraram na cidade, Príamo quis lutar, mas foi persuadido por Hécuba e refugiou-se com ela e com as filhas num templo. Segundo algumas lendas, Polídoro entrou no templo, perseguido por Neoptolemo, e foi morrer a seus pés. Príamo tentou atingir Neoptolemo, mas foi brutalmente morto por este. Outras lendas dizem que Príamo, louco de tristeza por ver Troia em chamas, tentou manusear suas velhas armas. Sem forças, caiu e foi decapitado por um soldado.

Minerva era a deusa romana das artes e da sabedoria

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Capítulo III – Sto. Agostinho ironiza a força dos deuses romanos, incapazes de defender Roma. Ele usa como comparação os fatos ligados à guerra de Tróia.

A Guerra de Tróia foi um conflito bélico entre aqueus (um dos povos gregos que habitavam a Grécia Antiga) e os troianos, que habitavam uma região da atual Turquia. Esta guerra, que durou aproximadamente 10 anos, aconteceu entre 1300 e 1200 a.C.

Causa da guerra: Gregos e troianos entraram em guerra por causa do rapto da princesa Helena de Tróia (esposa do rei lendário Menelau), por Páris (filho do rei Príamo de Tróia). Isto ocorreu quando o príncipe troiano foi à Esparta, em missão diplomática, e acabou apaixonando-se por Helena. O rapto deixou Menelau enfurecido, fazendo com que este organiza-se um poderoso exército. O general Agamenon foi designado para comandar o ataque aos troianos. Usando o mar Egeu como rota, mais de mil navios foram enviados para Tróia.

A Guerra: O cerco grego à Tróia durou cerca de 10 anos. Vários soldados foram mortos, entre eles os heróis gregos Heitor e Aquiles (morto após ser atingido em seu ponto fraco, o calcanhar). A guerra terminou após a execução do grande plano do guerreiro grego Odisseu. Sua idéia foi presentear os troianos com um grande cavalo de madeira. Disseram aos inimigos que estavam desistindo da guerra e que o cavalo era um presente de paz. Os troianos aceitaram e deixaram o enorme presente ser conduzido para dentro de seus muros protetores. Após uma noite de muita comemoração, os troianos foram dormir exaustos. Neste momento, abriram-se portas no cavalo de madeira e saíram centenas de soldados gregos. Estes abriram as portas da cidade para que os gregos entrassem e atacassem a cidade de Tróia até sua destruição. Os eventos finais da guerra são contados na obra Ilíada de Homero. Sua outra obra poética, Odisséia, conta o retorno do guerreiro Odisseu e seus soldados à ilha e Ítaca.

Mito ou fato histórico?: Durante muitos séculos, acreditava-se que a Guerra de Tróia fosse apenas mais um dos mitos da mitologia grega. Porém, com a descoberta e estudo de um sítio arqueológico na Turquia, pode-se comprovar que este importante fato histórico da antiguidade realmente ocorreu. Porém, muitos aspectos entre mitologia e história ainda não foram identificados e se confundem. Mas o que se sabe é que esta guerra ocorreu de fato.                                                     SuaPesquisa.com

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Capítulo IV – A cidade de Tróia foi destruída pelos gregos sem que houvesse misericórdia, apesar dos gregos adorarem os mesmos deuses dos troianos.

Capítulo V – César discursa contra os senadores romanos dando os detalhes de como eles procediam para com os inimigos vencidos. Muita violência, sangue, dor e estupros.

Capítulo VI – Sto. Agostinho argumenta que os romanos não poupavam os vencidos da guerra.

Capítulo VII – Sto. Agostinho atribui qualquer ato de bondade ocorrido durante a invasão de Roma pelos bárbaros, á graça de Deus representada em Jesus Cristo.

Capítulo VIII – A misericórdia divina se estendeu a todos os homens, assim como o sol se levanta para os bons e os maus igualmente.

Capítulo IX –  1. Os flagelos temporais e comuns, ajudam os justos a espiar seus pecados, posto não haver quem naturalmente seja isento de pecado. 2. O mal está no fato de que muitos, por amizade ou interesse, deixam de repreender os irmãos em suas culpas. E isso não é característico apenas dos que, casados, têm de lidar com suas fraquezas no trato diário com as lides domésticas, mas até dos religiosos que, por temerem a violência dos maus, deixam de repreendê-los na cara. 3. Os bons são castigados com os maus por gostarem como eles, ainda que menos, da vida temporal que deveriam desprezar.

Capítulo X – 1. O mal pode tornar-se em bem para aqueles que amam a Deus. Como diz a própria escritura, tudo concorre para o bem dos que amam a Deus. 2. A perda dos bens para o justo, nada é, posto que tem conscência de que há de perdê-los um dia, querendo ou não, por intermédio da morte. Para os fracos, a perda dos bens para os bárbaros, significa o desapego forçado de coisas temporais, significa a possibilidade de um retorno mais consciente á graça de Deus. 3. Bons cristãos não foram torturados pela ocultação dos bens, caso contrário não seriam bons, posto que o apego a coisas terrenas os fariam ser maus. Aquele que confessa a Jesus Cristo como sumo bem, não se deixa ser torturado por ouro e prata corruptíveis.  

Capítulo XI – O fim da vida é um fato comum a todos os homens. Não importa a espécie de morte que nos está reservada, posto que para o justo a vida eterna é uma certeza. Importa, portanto, o lugar para onde vamos após a morte.

Capítulo XII – Sto. Agostinho, lembrando-se daqueles que foram martirizados durante a ocupação de Roma,  discorre sobre os corpos dos cristãos insepultos, explicando não ser esse um problema grave, afinal, na ressurreição todos voltarão à vida, estejam esses corpos onde estiverem e do modo que estiverem.

Capítulo XIII – Sto. Agostinho afirma ser importate a fé na ressurreição e, por conseguinte, elogia aqueles que, no ato do sepultamento dos corpos de seus queridos, demonstram essa fé. O sepultamento respeitoso de um corpo representa, para ele, a fé que o cristão tem nas palavras de Jesus referentes à vida futura. O corpo deve ser tratado, se possível, com total distinção.

Capítulo XIV – Os cristãos levados em cativeiro são lembrados. Breve alusão à história bíblica dos jovens apreendidos em Babilônia: Daniel, Sadraque, Mesaque e Abednego. Agostinho lembra também do profeta Jonas cuja história por vezes é motivo de zombaria. No entanto, critica ele, os mesmos que não creem na história do profeta, dão crédito à célebre história de um certo músico Ario de Metimne que, precipitado do navio no mar, teria sido levado à margem no dorso de um delfim.

Capítulo XV – Régulo submete-se a suplícios em Cartago, em razão da palavra empenhada, sendo que os deuses a quem ele serve não conseguem livrá-lo. Por que a crítica contra os cristãos face à destruíção de Roma? O argumento de Agostinho baseia-se no seguinte: Se Régulo é louvado pelos romanos como exemplo de devotamento aos deuses, ainda que tenha sofrido castigos horríveis por causa disso em Cartago, porque não pode a cidade de Roma ser dígna de iguais suplícios com a destruíção sem que isso seja devido à existência dos cristãos? Agostinho afirma: Uma coisa não é a ventura da cidade e outra a do homem, pois toda cidade não passa de sociedade de homens que vivem unidos (pág. 45, 3º parágrafo).

Capítulo XVI – Trata-se do perdão às mulheres cristãs que se mataram para fugir da desonra do estupro pelos soldados bárbaros. Agostinho coloca aqui uma difícil situação, pois alguns afirmam que não há como se tornar indiferente no caso de um estupro. Pelo menos afirmam estes que a indiferença perante o estupro por parte das mulheres é quase impossível, não sendo elas capazes de total desapego durante o ato do estupro em si, logicamente numa clara referência à possíveis sensações inadivertidas e imperceptíveis engendradas pelo corpo. Nesse caso, segundo Agostinho, dignas de piedade são aquelas que se mataram para fugir à desonra do corpo e dignas de apoio, respeito e compreensão aquelas que se deixaram desonrar sem recorrer ao suicidio. Afinal, quem poderia acusá-las, sem incorrer na acusação de estar louco?       

Capítulo XVII – Matar-se é um crime, afirma Sto. Agostinho. Judas foi responsável pela morte de Jesus, mas também por sua própria morte. Não bastou a ele achar-se culpado e arrependido, posto que desesperadamente fechou qualquer via de acesso ao arrependimento verdadeiro. Agostinho argumenta que Judas é muito mais culpado por sua própria morte do que pela de Cristo, afinal no caso de Cristo ele foi um co-partícipe, enquanto na sua o algoz único e legítimo.

Capítulo XVIII – Não há pecado real para a vítima que nele não consente. A violência não faz perder a castidade, visto que, para todos os efeitos, permanece casto na alma quem, por meio do estupro, o deixou de ser no corpo. O corpo danificado pela violência sexual permanece puro enquanto a alma, representada pela vontade, permanece pura. No entanto, se a vontade for impura, na expressão do desejo interior, que corpo poderá ser puro, ainda que inviolado?

Capítulo XIX – Agostinho relata o caso de uma soberana romana chamada Lucrécia, mulher dígna estuprada por um jovem tresloucado, filho de um tal Tarquínio. Desesperada, após tal acontecimento, Lucrécia se mata. Como julgar tal procedimento? Lucrécia, não consentindo no estupro, acabou cometendo o pecado do homicídio em si mesma vítima da vergonha e angústia? Ou houve consentimento momentâneo por parte dela, vindo em seguida o remorso? Agostinho trabalha com essas duas possibilidades, argumentando que os romanos não têm porque difamar as mulheres cristãs vítimas de estupro no cativeiro. Enquanto a soberana entregou-se ao desespero e à morte, sendo que somente ela poderia efetivamente explicar o motivo, as mulheres cristãs esperaram a justificação na divina providência, sem recorrer ao suicídio.

Capítulo XX – Não existe nenhuma ordenança divina que legitime o ato de matar. Quando Deus diz não matarás ele se refere à possível matança de qualquer ser humano, mesmo daquele que atenta contra sua própria vida. O não matarás não se aplica aos animais irracionais ou às plantas, posto que foram deixados a nosso dispor, mas sim ao ser humano, pois, afinal quem se mata não estaria também matando o homem e tornando-se réu da própria lei que diz não matarás?

Capítulo XXI – Neste capítulo Agostinho considera a possibilidade de homicídios não criminosos. Afinal, quando o homem obedecia à ordem expressa de Deus, no Velho Testamento, para tirar a vida de alguém, não se pode dizer que estivesse praticando um ato homicida, visto que o mesmo apenas estava obedecendo às ordens "superiores". Ele cita o caso de Abraão que, por ordem expressa de Deus iria sacrificar o próprio filho, o caso de Jefté que, devido a um voto ofertado a Deus, terminou por sacrificar a filha, e o caso de Sansão que em sua morte matou mais inimigos do que os que havia matado em vida.

Capítulo XXII – O suicida pode ser admirado, se assim o pudermos fazer, por sua grandeza de ânimo, nunca por sua sabedoria. Agostinho cita o caso de Cleombroto que, influencido pela ideia de imortalidade da alma, apregoada por Platão, jogou-se de altura considerável a fim de voar logo para a outra vida. O próprio Platão, entretanto, não agiu assim visto ter considerado que o suicídio não deva ser executado. O cristianismo condena o suicídio. O mesmo Cristo ao falar aos discípulos ordena que eles fujam de seus inimigos, nunca que se matem para poder deles fugir.

Capítulo XXIII – Agostinho apresenta, depois de Lucrécia, um outro exemplo de suicida. Catão é um homem amargurado pela vitória de César que, por causa desta mesma vitória, acaba se matando. Agostinho apresenta-o como um fraco que, incapaz de suportar os revezes da vida, termina por por-lhe um termo.

Capítulo XXIV – O argumento de Agostinho versa no sentido de mostrar que se os adoradores de deuses falsos estão, em muitos casos, prontos a se entregar à morte, a preferir o suicídio, quanto mais aqueles que servem ao Deus verdadeiro. Como exemplo pagão apresenta novamente a figura de Marco Régulo, ainda que esse não supere em resignação a figura bíblica de Jó.

Capítulo XXV – Não devemos cometer um pecado na esperança de evitar outro. Mesmo sendo vítimas inocentes do mal alheio, devemos nos submeter à vontade divina e aguardar abraçados a Cristo o desenrolar dos acontecimentos, ainda que tais acontecimentos nos vitimem. Um pecado futuro jamais pode ser a explicação para um pecado presente, visto que, dessa maneira evidenciamos apenas nossa propensão para a prática do pecado.

Capítulo XXVI – Mulheres santas para evitar a desonra, buscaram a morte na mão de seus inimigos. Agostinho considera que talvez elas tenham sido levadas a isto pela obediência aos preceitos divinos. No entanto, por mais que isso se pareça um suicídio, não podemos assim julgar, posto que quem desta forma obedece a Deus não deve ser encarado como homicida de si mesmo. Entretanto, ninguém deve matar-se, nem para fugir das agruras desta vida, nem por causa dos desejos libidinosos dos outros, pois o reino de Deus não é para os suicidas.

Capítulo XXVII – Há quem considere a possibilidade do suicídio para fuga dos prazeres temporais, mas quem pode pensar dessa forma? Se fosse assim, logo após os sacramentos, os fiéis seriam exortados ao suicídio, a fim de que não incorressem mais nos prazeres deste mundo. Porém somos exortados continuamente à vitória sobre as tentações desta vida. Não há motivo válido para o suicídio e devemos permanecer na pureza e obediência a Cristo, a despeito do que tenha sido feito, contra a nossa vontade, com nossos corpos.

Capítulo XXVIII – Por que Deus permitiu que tal infortúnio ocorrece às suas servas? Talvez, conclui Agostinho, algumas necessitassem desta provação para a quebra do orgulho que as fazia inchar pela guarda da virgindade. Enquanto outras, a quem o orgulho não manchava, foram submetidas a tal situação para que não incorressem em erro futuro. Deus nos permiti alguns percalços a fim de que nos preparemos à maiores provações. As santas mulheres não perderam sua virgindade por causa da violação de seus corpos, afinal mais vale, nesse caso, o que a consciência afirma.

Capítulo XXIX – Sto. Agostinho se insurge contra aqueles que zombam do Deus dos cristãos escarnecendo: onde está o teu Deus? A resposta dos fiéis deveria ser: onde estão os teus deuses? Deus está presente em toda parte e nos corrige com o sofrimento para que tenhamos firmeza de propósitos. Os males temporais, para o cristão, são bilhetes de entrada para o reino de Deus.

Capítulo XXX – Agostinho evoca a figura de um ilustre romano chamado Cipião Nasica. Por que há tanta reclamação em se tratando do advento do Cristo? Agostinho conclui que seja devido ao desejo romano pela corrupção. Cipião, contrário a destruição de Cartago, afirmava que a mesma seria motivo de violência em Roma. Tal previsão se confirmou com a queda de muito sangue. Cipião Nasica receava que a demasiada segurança, sobrevinda a partir da queda de Cartago, principal rival de Roma, pusesse a perder os cidadãos romanos.     

Capítulo XXXI – Agostinho continua a refletir sobre Cipião Nasica, louvando-lhe o zelo pelos cuidados com a cidade de Roma. Cipião despreza a volúpia grega a ponto de insistir com os senadores pela não construção de um anfiteatro em Roma.

Capítulo XXXII – Os jogos cênicos são instituidos por ordem dos deuses. Agostinho afirma o caráter malévolo dos deuses e, em contrapartida, a atitude honrosa de Cipião.

Capítulo XXXIII – O povo romano se deixa seduzir pela diversão, mesmo quando a cidade está sendo destruída. Povo frívolo, tolo e inconstante que, a despeito de qualquer coisa, prefere mais o vício do que a virtude. Cipião esperava que o medo da guerra amadurecesse a alma dos romanos, mas nem isso foi capaz.

Capítulo XXXIV – A bondade divina instituiu, em nome do Cristo, salvação para os que buscaram refúgio nos templos cristãos. O abrigo romano não tinha o mesmo objetivo que os templos cristãos.

Capítulo XXXV – Agostinho cita a parábola do trigo e do joio, lembrando que enquanto estivermos no mundo, pátria terrestre e celeste se confundem num enlace sutil.

Capítulo XXXVI – Os infortúnios de Roma são atribuídos aos cristãos, mas Roma sempre os teve? Como explicar tal controvérsia? Agostinho propõe para o próximo livro discussões sobre a imortalidade da alma, o único e verdadeiro Deus criador e sobre a providência divina que comanda tudo.

sábado, 3 de março de 2012

FAHRENHEIT 451

                        FAHRENHEIT 451 – Ray Bradbury – 22 de agosto de 1920

                                        
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Categoria: Ficção norte-americana
Idioma original: Inglês
Tradução: Cid Knipel
Editora: Editora Globo
Título Original: Fahrenheit 451
Leitura realizada entre os dias 10 e 20 de setembro
            Esta obra de ficção do escritor americano Ray Bradbury parece ter sido criada especificamente para nossa época. Isso não porque estejamos tendo para com os livros uma atitude semelhante àquela da história, mas porque, em contrapartida, temos desprezado os livros em nossa sociedade.
            Montag é um bombeiro que trabalha na vigilância da cidade onde mora. Seu serviço essencial é o de monitorar a existência de livros nas casas. Quase sempre, se tais livros são descobertos por acaso ou por denuncia de alguém, imediatamente os bombeiros são enviados para lá a fim de queimar, tanto a casa com os livros, quanto seus proprietários.
            Fahrenheit 451 é, de certa forma, uma referência ao acontecido em 1933, QUANDO OS NAZISTAS queimaram em praça pública livros de escritores e intelectuais como Marx, Kafka, Thomas Mann, Albert Einstein e Freud, o criador da psicanálise fez o seguinte comentário a seu amigo Ernest Jones: "Que progressos estamos fazendo. Na Idade Média, teriam queimado a mim; hoje em dia, eles se contentam em queimar meus livros" (citação do prefácio do livro, pg. 13).
            A história tem início com a descrição do prazer sentido pelo bombeiro ao queimar livros. Montag gosta do que faz e sente como se tivesse sido talhado para essa atividade. Nessa época, ainda não pairara sobre ele qualquer reflexão a respeito de suas reais predisposições para tal empreendimento.
            Montag tem o olhar voltado apenas para sua atividade, já não sente que haja algum significado na vida além daquele que lhe foi ensinado, ou seja, o trabalho de queimar livros. Nesse contexto encontra-se pela primeira vez com sua vizinha Clarisse e, por iniciativa dela, acaba sujeitando-se a um diálogo no trem.
            Clarisse, como oposto de Montag, é uma moça que acredita no futuro e gosta das coisas simples da vida como o cantar de um pássaro, o perfume das flores e etc. Ela não se deixa contaminar pelas sensações radicais de seu país e expressa, durante a conversa com o bombeiro, uma série de conceitos interessantes, inclusive a respeito da educação. Instada a responder a respeito da escola, Clarisse observa: "_ Dizem que sou antissocial. Não me misturo. É tão estranho. Na verdade, eu sou muito social. Tudo depende do que você entende por social, não é? Social para mim significa conversar com você sobre coisas como esta. – Ou falar sobre quanto o mundo é estranho. É agradável estar com as pessoas. Mas não vejo o que há de social em um juntar um grupo de pessoas e depois não deixá-las falar, você não acha?" (Pg. 51).
            Os mundos de Montag e Clarisse são antagônicos no que diz respeito à forma como cada um enxerga a vida e se deixa levar por ela. Montag é um servidor público, disposto a obedecer sem questionar. Clarisse, em contrapartida, é uma moça aguerrida que questiona tudo, embora, evidentemente, deva esconder no anonimato sua preferência por livros e afins, algo proibido em seu contexto social.  
            A história vai se precipitando num imenso caudal de perseguições às pessoas que possuem livros e são denunciadas por isso. Montag, durante as incursões às casas dos infratores, vai recolhendo para sua biblioteca pessoal os exemplares que considera mais importantes. Aos poucos seu espólio particular está repleto de obras clássicas, inclusive uma do próprio escritor Ray Bradbury que, evidentemente, acabou se incluindo na história.
            Durante uma reunião em sua casa, entusiasmado, Montag acaba lendo para as amigas de sua esposa uma sequência de poemas sentimentalistas que terminam por fazer uma delas chorar, algo impensável numa sociedade onde as manifestações de sentimento são proibidas. A partir dessa experiência Montag praticamente se entrega ao ostracismo social, pois as amigas de sua esposa se despedem sem nem sequer olhar para ele. Logo, o alto comando dos bombeiros fica ciente desses acontecimentos e prepara uma cilada para ele. Durante mais uma saída à caça de livros, ele é surpreendido tendo sua própria casa à mercê da justiça. A partir daí inicia-se uma sucessão de acontecimentos que o precipitarão inevitavelmente nas garras do inimigo.
            Montag de perseguidor torna-se perseguido indo, por fim, se aliar a algumas pessoas que estão escondidas na floresta por causa de suas convicções referentes à leitura. Lá ele descobre uma organização, formada por fugitivos da lei, de pessoas empenhadas em manter viva a chama da leitura. Tais pessoas, por não poderem contrariar a lei da nação, decidem decorar trechos inteiros de obras que, dessa forma, poderão ser conservadas na mente. Os homens tornam-se livros ambulantes, apelidados com o nome das obras decoradas.