domingo, 7 de agosto de 2011

Preceitos

            1. Comumente ouvimos conselhos sobre como devemos tratar nossa criança interior. Quase sempre evocam-se as palavras de Jesus tiradas do evangelho: ...das tais é o reino dos céus! Mas será que Jesus tinha alguma coisa a ver com essa recente supervalorização do espírito infantil como vemos hoje em dia? Será que suas palavras ditas num determinado contexto podem ser usadas como sustentáculo para idéias nocivas e completamente descontextualizadas? Ninguém pode negar que há e cada vez de forma mais despudorada uma plangente inclinação para a irresponsabilidade e falta de vergonha daqueles que se dizem simples como crianças. A frase dita por Jesus, obviamente fazia referência à inocência e falta de rancor como comportamento habitual das crianças. Comportamento este que deveria ser idêntico nas atitudes dos adultos. Entretanto, é bom lembrarmos que o mesmo Jesus agiu com energia quando confrontado com a realidade vergonhosa dos vendilhões do templo e dos fariseus que, na sua opinião, eram sepulcros caiados cujo interior não correspondia com a aparência externa.
            2. Nosso século será, mais do que qualquer outro, o século da completa sem vergonhice. O que dizer daqueles que se apropriam de versículos isolados da Bíblia para a defesa de seus desejos libertinos? Ah, dizem alguns, as prostitutas tem o seu lugar guardado lá no céu! Malandramente fazem uso de novo das palavras de Jesus quando afirma que as prostitutas entrarão no céu adiante dos religiosos. Fazendo uso de suas atribuições de completos facínoras descartam todo o contexto do versículo para fazerem tais absurdas e pecaminosas afirmações. As palavras do Cristo referem-se àquelas mulheres arrependidas que, a exemplo de Maria Madalena, deixaram tudo, inclusive a vida de pecados, para seguí-lo.
            3. O racismo deve ser sempre considerado como um sentimento nojento e nocivo. Não estou falando do racismo fundamentado em brincadeiras inocentes ou tiradas espontâneas. Ainda que tais práticas devam, grosso modo, ser constantemente evitadas por  nós, é fato que há frases ou palavras que, quando pronunciadas numa situação idêntica, também deveriam ser consideradas racistas ou, quando muito, prejudiciais e portanto proibidas. Hoje em dia é muito comum ouvirmos sobre a lei que considera os termos “preto” ou “de cor” como termos de forte conteúdo racista. Mas o que dizer daqueles que se referem a outros como “burros”, “idiotas”, “branquelos” ou coisa semelhante? Porque não são os tais também subjugados à mesma lei anti-racista? Parece-me, e estou certo que há aí, uma boa dose de hipocrisia. Eu, particularmente, não gostaria que me considerassem como um burro orelhudo ou um idiota desguarnecido de cérebro. Ninguém pode negar que nós brasileiros carregamos no sangue um resquício de cultura européia que cheira à chocarrice. Gostamos da galhofa e, por isso nos sobram tantos termos pouco recomendáveis para o uso. O racismo a que me refiro é aquele que despreza competências, nega asilo, humilha pessoas e massacra indivíduos. Esse sim é repugnante e pecaminoso. Aos olhos do bom senso todos nós somos iguais e corre em nossas veias um liquido vermelho que, quando exposto à luz, fede e se transforma em esterco. Somos iguais e igualmente marchamos para idêntico destino: a cova.
            4. A aceitação do homossexualismo é claro, veio pra ficar. Evidentemente muitas coisas vieram pra ficar, mas nem todas têm a mesma força que esta. Entretanto ainda que muitos considerem ser preciso uma análise acurada de todo conhecimento disponível pra justificar ou condenar tal prática, a simples observação dos fatos já pode nos fornecer muitas respostas. Antes de qualquer coisa, esqueçam a Bíblia. Afinal, não há nada lá que justifique a prática homossexual. De nada adianta ficar tirando conclusões, torcendo histórias ou tentando transformar a palavra “amor” em sinônimo de libertinagem. Os textos referentes às práticas que fogem ao âmbito da naturalidade estão por toda parte, basta ter o mínimo de honestidade para aceitá-los. No mais fiquemos apenas com a observação e a honestidade daquilo que a ciência afirma. Não é interessante o quanto a ciência pode servir para o mal e para o bem? As próprias pesquisas já não confirmaram que não existe possibilidade genética que assegure a existência de um terceiro sexo? Se a carreira cromossômica masculina e feminina só aceita possibilidades genéticas de “X” e “Y”, então porque a discussão permanece? Encerre-se a questão e que os homossexuais fiquem por sua conta e risco, assumindo o peso da escolha que, individualmente, fizeram.    
            5. A igreja é, no mundo, o baluarte da pregação do evangelho. Foi aqui deixada pelo Cristo para que suas palavras pudessem ser disseminadas. No entanto é notório também que a igreja é uma instituição comandada por seres humanos falhos e, via de regra, cheios de deficiências. A igreja ocupa hoje no cenário mundial grande peso político e pouca representação social; infelizmente os homens têm se deixado levar muito pela quantidade de dinheiro que podem amealhar dos incautos, mas não olham pelos necessitados, nem se preocupam com os carentes. É flagrante a necessidade de reformulação de conceitos, entretanto sabemos que pouco se fará, visto ser a vontade do homem neste mundo colocada em primeiro plano em detrimento da vontade de Deus. Conceitos como: prosperidade na mesa e posse de bens materiais suplantaram o que no passado se consideraria como ter o suficiente para a sobrevivência. Em geral os homens querem mostrar muito para poderem afirmar que são melhores que outros ou super abençoados pelo favor divino. Quem quiser julgar se tal ideia é correta ou não, deve apenas ler no Novo Testamento a história de Jesus e se convencerá, se for honesto, de que o rei dos reis aceitou a humanidade em detrimento da divindade. Só a consideração dessa verdade será suficiente para que todo ouro e prata do mundo sejam desprezados.
6. A riqueza é um bem conferido a poucos. É fato que, conquanto poucos tenham nascido com ela, alguns há que trabalham com o engodo e a desonestidade com o fim de alcançá-la. No entanto há também os que foram com ela agraciados por esforço contínuo ou dom de Deus. Nunca devemos julgar pessoas sem conhecer-lhes os rastros. O próprio Cristo disse que era mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no céu, no entanto o mesmo Cristo deixou bem claro logo em seguida: o que é impossível aos homens é possível a Deus. Nem todos os ricos são sovinas, nem todos os ricos conseguiram seus bens por intermédio da mentira ou do massacre dos pobres; muitos há que ajudam os necessitados em seus infortúnios e, por certo, serão abençoados por Deus no grande dia. O bom seria que nunca julgássemos nenhum indivíduo. O bom seria que guardássemos nossas bocas da maledicência e da soltura da língua, mas como somos fracos nisso!
7. O orgulho está muito unido a altivez de espírito, como quando aquele ser das luzes, lá no íntimo de seu coração afirmava: Subirei acima das estrelas do céu e me assentarei no trono de Deus! Assim é todo aquele que se orgulha por ser melhor que os outros ou por ter mais que os outros. Quem procede em sua vida como se tudo girasse ao seu redor, descobrirá, para seu próprio infortúnio, que ninguém dele sente falta e, ainda que tardiamente, perceberá que o planeta segue seu curso normal sem sua presença. Jesus numa parábola falou sobre o homem que guardou muitos bens e depois, deitado em sua cama, dizia: folga alma, pois tens muitos bens para muito tempo. O resultado desse procedimento orgulhoso foram as palavras vindas do alto em tom colérico: “louco, o que tens preparado para quem será?” Ainda que a sorte nos sobrevenha com muitos bens, e a alegria seja nosso cântico diário, nunca devemos nos esquecer que tudo que temos vem de Deus e só a ele deve ser dada toda gratidão e todo perfeito louvor. Diante de Deus somos pequenos, pífios e sem nenhuma valia. Mas quando elevados à categoria de filhos da divindade, aí é que assumimos nosso papel de coadjuvantes na história. Entretanto, que ninguém se engane julgando que o orgulho acomete apenas aos ricos e abastados deste mundo; há muitos pobres que, mesmo nada tendo, julgam-se muito superiores aos demais homens. Comem o pão da miséria, mas não se inclinam a pedir ajuda; sofrem as penas do abandono, mas não abrem mão do nariz empinado. O orgulho pode se apresentar de muitas formas, num simples piscar de olhos, num sorriso à meia boca, numa palavra espirituosa e até num gesto impensado, mas sempre será uma ofensa a Deus. Entretanto, não podemos confundi-lo com aquele sentimento de felicidade que nos sobrevém quando realizamos algo digno de elogio. Nossas conquistas fazem-nos orgulhosos de nossos feitos e, desde que tal orgulho não nos leve a desprezar as pessoas, não há mal nenhum nele.  
8. A palavra “paixão” vem do latim passione. Significa literalmente aquele sentimento tresloucado que muitos de nós já experimentamos; uma febre descontrolada que nos arrasta para fora da razão e do bom senso. Talvez pudéssemos defini-la como “desejo de morte”. Quando nos apaixonamos nos desnudamos diante do outro assumindo uma roupagem que não é nossa. Assim se dá com aqueles que se apaixonam pela bebida ou pelo uso de drogas. Tais pessoas desprezam a própria família e amigos em detrimento do objeto de sua paixão. Abandonam o convívio social e pessoal porque já não conseguem perceber o quão importante são as pessoas e hábitos que está abandonando. São inúmeras as histórias também de homens, ou mulheres, que abandonaram seus filhos e cônjuge por causa da paixão que sentiram por outra pessoa. Algum tempo depois, tais indivíduos se arrependem da loucura que cometeram, mas se dão conta, para tristeza deles, de que já não há como voltar atrás. A paixão é um desejo de morte no sentido em que, abraçados por ela, nos despojamos de tudo o que é nosso para vestir aquilo que é do outro, sejam hábitos, crenças, vícios ou preferências.
9. O amor é o mais nobre sentimento cultivado pela raça humana. Diferentemente da paixão, o amor se desnuda, não para assumir a roupagem do outro, mas, sim, para ajudar a vestir o outro. Quando lemos a história do bom samaritano, percebemos ali um relato cheio de amor, numa história plena de verdades eternas. A primeira verdade é que sempre existem mais pessoas tratando o próximo com indiferença do que com amor. Assim aconteceu com o sacerdote e o levita que passavam junto ao caminho. A segunda verdade é que quem de fato ama pouco se importa com as dificuldades para a manifestação do amor, a exemplo do que fez o bom samaritano. A terceira verdade, se bem que talvez encontrássemos outras, é que quem ama não se preocupa apenas com o presente, mas também com o futuro do objeto de seu amor. Aqui também nos lembramos do bom samaritano deixando pagas, na estalagem, as despesas com o homem ferido e, fazendo menção de que tudo o mais seria pago no futuro. O amor, como disse o apóstolo, tudo suporta tudo sofre e tudo crê. Nenhum exemplo de amor, entretanto, poderá superar aquele manifestado pelo filho de Deus que a si mesmo se entregou por nós.  O amor nada faz por obrigação ou medo, mas sim por prazer. Aquele que ama estende a mão, nem que para isso tenha que perdê-la. Aquele que ama sustenta e apóia, aconselha quando acha necessário e abraça quando sente que é preciso.
10. A palavra “saudade” é muito forte na língua portuguesa. Em outros idiomas, a palavra usada para expressão do mesmo sentimento, nem sempre é tão enfática quanto na nossa língua. E podemos usá-la para várias ocasiões. Quando estamos longe de alguém que amamos, quando nos lembramos de algo há muito tempo vivenciado e mesmo ao nos recordarmos de alguma situação ruim que, no entanto, vem mesclada de sentimentos bons. A saudade acomete os que estão longe de sua pátria, como os judeus que choravam os acordes de Sião. Ela aperta o coração daqueles que, a exemplo de Eliseu clamam: “meu pai, meu pai”.  
11. Harmonia é uma palavra muito bonita que significa coesão, unidade, sintonia. Na música ela denota a perfeita ligação entre acordes diferentes que perfazem uma melodia. No trabalho, a harmonia requer coerência de atitudes e propósitos para que seja possível. Nos estudos é preciso que haja harmonia entre as matérias, para que o conhecimento final seja completo e útil. Até a Bíblia, no conjunto de seus sessenta e seis livros, apresenta a noção de harmonia. No entanto, nenhuma harmonia é possível quando há na música um tom que não se coaduna com os demais. Sem coerência no trabalho, ela é impossível. Se ela não existir nos estudos, o resultado final será nulo. E a Bíblia seria completamente inócua sem a harmonia. A harmonia requer conjunto e unidade, grupo e coesão, multiplicidade e sintonia. Se olharmos bem, tudo pede harmonia. Como seria possível a constituição do universo, tal qual o conhecemos, se os planetas não estivessem alinhados harmoniosamente? Existiríamos como igreja sem ela? Triunfaria o cristianismo caso ela não existisse? Seria impossível! Vivamos, pois, em harmonia. Deus, na sua eterna bondade, apenas nos pede que sejamos sábios cultivando a harmonia com ele. Se assim o fizermos nossos passos serão direitos, nossos olhos enxergarão longe, nossas mãos nunca sentirão falta do sustento, nossos lábios falarão a justiça e nosso coração amará a verdade.
12. A verdade é a coisa mais procurada no mundo inteiro. Há muitos hoje que negam a existência dela. Outros há que acreditam numa verdade relativa que acaba por servir a todos os homens. Mas tal verdade apregoada, não passa de um embuste, cujo propósito é a sonegação daquilo que realmente significa verdade. O que é a verdade? Perguntou Pilatos e, logo em seguida, entregou a verdade para ser destruída. A filosofia, grosso modo, não apresenta o conceito de verdade como satisfatório, mas alguns, mesmo assim, dirão que a verdade é aquilo que é. Como então definir exatamente a palavra verdade? O conceito bíblico de verdade apresenta-a como expressão máxima da realidade observada ou vivenciada. Neste sentido não há como se utilizar de frases ambíguas que deixem margem a dúvidas. A expressão “Meia verdade” torna-se vazia e sem sentido quando se pensa na definição da palavra verdade. Tanto que o Novo Testamento nos encoraja afirmando: “vossas palavras sejam sim, sim e não, não, pois o que passa disso é de procedência maligna. Não há também como caracterizar as verdades de pequenas ou grandes, visto que verdade sempre será verdade e mentira sempre será mentira. Entretanto temos que fazer aqui uma distinção entre modos conceituais de verdade. Quando falamos da verdade como o conceito mais procurado do mundo estamos pensando de algo que foge à mera conveniência do sermos verdadeiros no dia a dia ou não. Estamos tentando descobrir o fim último da existência e não a veracidade de assuntos singulares. Nosso viver diário nos coloca em confronto com situações nas quais só há uma possibilidade de verdade e uma possibilidade de mentira. Entretanto estamos ligados, e parece que de modo universal, há um desejo inerente de conhecimento do futuro. Há aqueles que pensam mais sobre o assunto e aqueles que pensam menos. O essencial para o encontro com a verdade é a honestidade e o desejo real de descobri-la. A bíblia afirma que a verdade, como fim último de nossa existência terrena, só pode ser encontrada em Deus e em nada mais. Todo aquele que é da verdade vem para a verdade, disse Jesus, porque nele, isto é, em Jesus, não há mentira alguma.
13. Deus é tudo o que há de bom e verdadeiro em si mesmo. Isso não significa que ele seja “um ato de bondade”, pois nem sempre um ato de bondade guarda boas intenções, mas sim que ele não pode ser o oposto de bom, nem tampouco guarda consigo desejos maus. Não podemos pensar em Deus como um pai “amoroso” que dá permissão a tudo o que se queira fazer, ou que apóia o filho em todas as suas decisões, quer sejam boas ou más, afinal isso seria considerá-lo como um tolo. Tampouco devemos imaginá-lo como um tirano impiedoso a quem as súplicas de um filho nada represente. Deus é o que é, como disse a Moisés: “Sou o que sou”, portanto qualquer coisa que digamos a respeito dele estará sempre carregada de um puro conteúdo humano. Na verdade o que sabemos, nesse caso, sempre representará um nada diante do que devíamos ou gostaríamos de saber. Entretanto como nosso nível de experiência é o puramente humano e, alicerçados nas experiências humanas, podemos dizer que Ele é bom, misericordioso, justo, verdadeiro, santo e que nos ama. Sem Deus nada existiria, e isso levando em conta que até o “nada” já é uma pressuposição de existência.                            

sábado, 6 de agosto de 2011

A história do capelão pelos lábios de Aoturo

Sobre o inconveniente de suprimir as idéias morais e divinas do espírito humano
                
grupoescolar.com


         _ Ele parece estar morto!
            _ Olhe bem nos olhos dele e tente sentir a pulsação.
            O homem forte de braços angulosos remexeu as pálpebras do gigante negro, mas bem no fundo percebeu uma centelha de vida.
            _ Está vivo.
            _ Soldado - berrou o oficial dirigindo-se a alguém parado a pouca distância dali - traga imediatamente uma bacia d'água e um copo de aguardente. O soldado distanciou-se na penumbra reaparecendo logo depois com as coisas solicitadas. Soltaram os pulsos do homem, desamarraram seus pés e o deitaram sobre umas folhas de bananeira que alguém improvisara a modo de maca. Derramaram a aguardente em seus lábios e, em seguida, borrifaram água sobre seu rosto, pulsos e principalmente olhos. O negro despertou assustado, mas eram visíveis as dores e a febre que principiava a percorrer-lhe o corpo. Depositado sobre a maca improvisada levaram-no para o acampamento.
                                                                                         

                          DIÁLOGO ENTRE “C” E “D”

                                      
        C) _ A noite, parece, não nos dará o que o dia havia prometido.
        D) _ Como sabeis disso?
        C) _Basta olhar esse céu nublado e sentir o sereno que em gotas quase imperceptíveis teimam em vir pousar sobre nossas cabeças.
        D) _ É verdade. Mas também não tivemos muito calor hoje. Apenas um sol tímido e uma brisa suave soprando d’além mar.
        C) _ No entanto o que fazes?
        D) _ Penso.
        C) _ Mas, sobre o quê?
        D) _ Enquanto ao pé deste fogo relembro a história do capelão que forçosamente foi trasladado do Taiti.
        C) _ Ainda o relato daquele negro?
        D) _ Ainda.
        C) _ Não entendo esses homens. Seguramente dispensam um texto pelo relato de um negro escravo.
        D) _ Nisso me colocas na mesma categoria?
        C) _ Se teimas em acreditar num negro foragido!
        D) _ Mas e se tudo o que ele nos contou de fato for verídico?
        C) _Também você preferiria confiar na história de um estrangeiro que nunca vimos?
        D) _ Não vejo em que este caso seria diferente do outro. Afinal na extremidade oposta temos também essencialmente apenas um relato em forma de livro que nos foi entregue por um homem civilizado. Eu nunca o conheci e você?
        C) _ Inútil me provocar com seus rodeios de sabedoria espartana. O fato é que esse negro podia ser um louco vindo de qualquer lugar; quanto a Bougainville bem sabemos de onde era e o que pretendia.
        D) _ Exatamente aí está o problema meu amigo, na pretensão dos homens. Não estou dizendo que devamos acreditar integralmente nas palavras do taitiano, entretanto por que não submetermos a julgamento o relato que nos deixou?
        C) _ Que pensais de sua história?
        D) _ Do que posso julgar da leitura do seu relato, como nos foi transcrita pelo oficial marinheiro, devo somente dizer que me pareceu muito sóbrio e nenhum pouco leviano. Ou o oficial submeteu o texto à retórica refinada de si mesmo emprestando ao negro palavras que não eram dele, ou então, o homem fez-se apenas porta-voz tal e qual do que ouvira.                                           
        C) _ Mas como ele poderia entender um estrangeiro? Não houve como disseram um intérprete?
        D) _ Acredito que sim.
        C) _ Isso não lhe tira um pouco o mérito? É provável que o intérprete tenha floreado suas palavras.
        D) _ Pode ser.
        C) _ Acho preocupante quanto à veracidade dos fatos.
        D) _ Não tanto quanto ao relato de Bougainville. Afinal o que pesa mais sobre a verdade ou não de um relato, a casualidade dos que o transcrevem como mero diário de viagem, ou a honestidade de um negro deixado em terra estranha e coberto de sangue? No mais tanto cá quanto lá se fez necessária a presença de um tradutor.
        C) _ É um ponto a considerar. Qual era o nome do taitiano?
        D) _ Aoturo.                 
        C) _ Eu nunca estive além destas terras e do que ouço filtro o necessário. Tenho poucos amigos que jamais saíram daqui. Entretanto é grande minha predileção por casos insólitos, mas gosto de prová-los no funil das boas intenções.
        D) _ E o que são as boas intenções?
        C) _ Me refiro ao costume que alguns têm de subverter os fatos a propósito deste ou daquele navegante. Há alguns que contam horrores desses personagens retratando-os como temerários, assassinos, bandoleiros dos mares...
        D) _ Acalme-se. Não tenho tal intenção. Meu objetivo será tão somente expor os fatos, ou as palavras ditas pelo negro em seu instante derradeiro. No mais me parece que você acaba de descrever as características das más intenções...
        C) _ Me equivoquei? É possível, mas vamos aos fatos...
        D) _ Aoturo foi instado muitas vezes, durante o período em que esteve às mãos dos oficiais do navio, sobre quem era ele, o que fazia aqui e pra onde estava indo. Começou por fazer menção das atrocidades que presenciara, mas ante a solicitação dos homens ele falou também sobre os costumes de sua terra, as características dela e os momentos lá vividos. É fato que suas palavras estavam carregadas de sofrimento, no entanto...  Bem, ele era originário de um mundo distante onde os homens viviam amontoados em cabanas, cercados por extenso cordel de rituais esdrúxulos, superstições e preceitos inúteis. Seus deuses estavam representados nos enormes totens, mas também apareciam no formato de pequenos objetos coloridos, colares feitos de dentes de animais, pulseiras, argolas que atravessavam o lóbulo das orelhas e a carne das bochechas, a cartilagem do nariz e até mesmo a língua. O conceito de higiene era quase inexistente. Tanto que junto às cabanas, quase às portas, tanto crianças quanto adultos teimavam em depositar suas fezes, deixando escorrer a urina sobre as paredes, o escarro sobre o chão de terra barrenta. Imensas nuvens de moscas punham seus ovos naqueles charcos fedorentos e o cheiro de coisa podre pairava no ar.
        C) _ Um mundo perdido?
        D) _ Provavelmente mais achado do que poderíamos supor.
        C) _ Desculpe-me a intromissão.
        D) _ Claro! Ele nos contou que inúmeros nativos viviam doentes, acossados pelos vírus dos ares, submetidos às carrancas dos deuses, subjugados pela ira dos seres invisíveis. Tanto que os rituais se sucediam. Todas as noites os sobreviventes reuniam-se em volta das fogueiras e de posse de lâminas sagradas retalhavam seus corpos na oferenda muda do sangue que escorria como oferta de libação. As crianças bebiam o sangue de animais enquanto as mulheres corriam em volta delas proferindo palavras ininteligíveis num completo estado de transe auto-hipnótico, se é que se pode sugerir tal estado mental.
        C) _ Posso supor a volta à condição primeva do homem?
        D) _ Se acreditas nisso temos ai uma das palingenesias mais funestas. Por que não dizer a confirmação do elo jamais perdido? Mas você verá que nada disso era sem motivo. A desgraça tem sempre um ponto de partida que depois se confunde e se mistura às cores vibrantes de acontecimentos mais coloridos e, uma vez misturados, ganha o contorno que se quer lhe dar. É notável no mundo a manipulação dos fatos, o degredo das realizações importantes desprezadas em face às mais abjetas intenções. Aoturo nos contou que por essa época surgiu junto à praia a figura austera do capelão. Era um sujeito de compleição modesta, traços singulares naquela região remota, um homem simples que de imediato chamou a atenção devido à vestimenta esquisita, devido ao rosto obliquo encimado por loura cabeleira e imponência de recém-chegado.
        C) _ Aos olhos dos nativos um dragão fosforescente!
        D) _ Aí é que você se engana. Eles o receberam quase como a um deus descido dos céus ou saído da terra. Atribuímos à divina providência o pouco que há da centelha divina em cada ser humano. Neles essa centelha se manifestara num formato de lenda, história tradicional, rústica oralidade que se propagou boca-a-boca desde incontáveis anos.
        C) _ Dando conta do quê exatamente?
        D) _ A lenda discorria a respeito de um estrangeiro pelado de cores, tendo na cabeça um chumaço de folhas secas e por vestimenta a negrura da noite salpicada de estrelas. Forçosamente traria nas mãos um talo de bananeira que, uma vez aberto, seria usado como um bálsamo na cura dos males de dentro e de fora.
        C) _ Já ouvi diversos relatos semelhantes sobre outras tribos. Sem dúvida, se se pode crer nestas histórias, têm-se aí um problema aparentemente insolúvel.
        D) _ Porque aparentemente?
        C) _ A ciência meu amigo, a ciência explica qualquer coisa.
        D) _ Bem, me recuso agora a discutir tal afirmação. Quero me ater aos fatos como narrados pelo nativo.
        C) _ Claro! Em frente.
        D) _ O capelão trazia pendurado no pescoço os símbolos de sua fé: Crucifixos, cordões, um cajado onde se apoiava tendo no alto a efígie de um homem agonizante e, nas mãos, aquilo que os nativos identificaram como o talo de bananeira não passando de um grosso volume da Bíblia dos cristãos. De pronto estabeleceu-se um vínculo baseado na lenda dos nativos, lenda sabiamente aproveitada pelo capelão. Ele apresentou-se como o enviado, reorganizou a estrutura da aldeia, se intrometeu nas dificuldades dos nativos utilizando-se dos parcos recursos que possuía na cura de homens e mulheres acometidos por doenças, combateu valorosamente as epidemias e criou o mínimo possível de proteção por meio da conscientização sanitária. Com inúmeras dificuldades fez ver aos chefes da tribo a necessidade das mudanças que propunha e ainda teve tempo para criar escolas utilizando-se do dialeto deles. Sem ferir a vaidade de seus curandeiros angariou a confiança de todos.
         C) _ Eu sempre soube da atitude guerreira desses povos...
         D) _ Também esse o era. Tanto que por diversas vezes suas flechas, suas lanças, as setas embebidas nos venenos letais haviam afastado de suas fronteiras as hordas assassinas daqueles que em nossa pátria seriam heroicamente considerados bandeirantes, desbravadores, conquistadores...
        C) _ Percebo sua intenção de separar o trigo do joio. Quer me fazer crer que a intenção dos jesuítas diferia do propósito de seus amigos colonizadores?
        D) _ Conto o que ouvi!
        C) _ Sim, sim... Mas, apenas me esclareça se sua ingenuidade o leva a supor a completa separação entre a religião e a dominação. Não é evidente que o cristianismo tenha usado a força por esses séculos incontáveis para a escravidão do ser conquistado?
        D) _ Antes me responda, você leu o relato à viagem de Bougainville?
        C) _ Sim!
        D) _ Ingenuamente acreditas que durante séculos os cristãos tenham se ocupado apenas em aprisionar seus conversos? Será que os benefícios incontestáveis da caridade deste capelão não constituem por si só um libelo contra tais suposições arbitrárias? Creio que há de ser no mínimo desonesto aquele que medir o cristianismo de acordo com o campo de visão de um acéfalo. Seria mais justo se usasse o recurso do ciclope.
        C) _ Mas você não contesta a tirania dos governos chamados cristãos?!
        D) _ Nem tampouco a tirania dos verdadeiros cristãos. Afinal quantos professam hoje uma fé que não existe, um compromisso que não assumiram. A falência da instituição reside no discurso descompromissado de seus constituintes. No entanto tais problemas jamais deixarão de existir enquanto o homem for homem.
        C) _ Aí vem você com a ladainha do pecado original!
        D) _ Nunca! Sei que seria de todo desnecessário. Apenas desejo assegurar que o relato de Bougainville generaliza fazendo uso de uma desonestidade consciente. Entretanto, mesmo achando-o desonesto e generalizador, sei reconhecer as deficiências presentes nesse meu cristianismo. 
        C) _ Não esqueçamos também que você está fazendo uso do relato do capelão. Provavelmente um manípulo da religião.
        D) _ Pouco provável, entretanto...
        C) _ Mas me diga, há alguma similaridade na história desse homem, algo mais que nos lembre, por exemplo, da figura imponente do ancião?                
        D) _ Não muito; de passagem me recordo da conversa inicial entre o capelão e seus hospitaleiros silvícolas. É fato que o receberam com festa, cheios daquela admiração ingênua tão presente nos olhos das crianças. Com suas garrulices acercaram-se dele tocando-o, provando-o, beliscando a pele clara e a vestimenta escura. Após o identificarem como o suposto mensageiro da lenda, houve uma espécie de reunião, um círculo formado ao redor do fogo, e, enquanto se aqueciam o principal deles pôs-se a falar: _ “Nós não tínhamos deuses nem sacerdotes. Crescemos todos às margens dos grandes rios e vivíamos sob a liberdade das estrelas. Quando a chuva regava a terra elevávamos nossos pensamentos a uma única divindade, àquela que supúnhamos estar acima de nós. Quando o sol surgia iluminando as folhas, fazendo brilhar nos cachos os frutos era a essa mesma divindade que agradecíamos num movimento espontâneo de braços e pernas. Foi quando chegaram à ilha os primeiros caçadores munidos de suas enormes embarcações, carregados de espelhos d’água e hastes falantes. Eles subverteram nossas idéias com seus presentes e, em troca disso, levaram nossas pedras e as riquezas que nem sabíamos serem riquezas. Mas quando tentaram se apossar de nossa liberdade obrigando-nos a toda sorte de trabalhos então nos revoltamos. Muitos dos nossos foram massacrados, mas prevaleceu nosso espírito guerreiro. Agora que queremos ouvir-te, a quem nos apresentas?” Respondeu o capelão cheio da mais respeitosa reverência: _ “Àquele a quem vocês adoravam sem o saber. Ao Deus único criador de tudo que existe no céu, na terra e sob a terra.”
        C) _ Eis aí a fórmula degradatória dos povos!
        D)_ Sim, como queira, mas a despeito de seu ímpeto, permita-me prosseguir.
        C) _ Prossiga.
        D) _ Em geral o que ocorreu foi uma completa reformulação das leis e costumes daquele povo.
        C) _ Leis e costumes? Eles não disseram que viviam livres pelas florestas?
        D) _ Sim, mas a liberdade não suprime a necessidade da ordem e, como consegui-la senão pela manutenção de leis e costumes?
        C) _ À palavra lei entendo um conjunto de regras, preceitos de ordem moral talvez, mas e aos costumes? Qual o significado? Seria o mesmo de tradição?
        D) _ Não com a mesma profundidade de significados, mas por que não? Os costumes na sociedade são como um freio para as paixões aviltantes que podem desvirtuar o cenário estabelecido. Entretanto isso me parece também pouco atraente visto serem os costumes apenas reflexos do gosto geral e, então, mutável. Tradição tem um sentido de coisa duradoura. O que queria destacar era a suscetibilidade dos silvícolas na aceitação das propostas do capelão. Eles já eram detentores de leis próprias que ditavam as regras para o bem comum.
        C) _ Por exemplo...
        D) _ Leis a respeito da união dos sexos, educação das crianças, vivência na tribo, trabalho e etc.
        C) _ Leis no sentido lato da palavra?
        D) _ Que, no entanto não deixam de ser leis, ou contestas?
        C)_ Claro que não. Tudo que regula ou controla a vida de alguém forçosamente é uma lei. O cristianismo com a mais perversa representação delas devido ao recrudescimento das investidas.
        D) _ Bom, a despeito de suas considerações finalizo. A lei cristã propagada pelo capelão deu mostras de plena aceitação a ponto de pacificá-los.
        C) _ Aí está o ponto. Antes que continues deixe-me concluir sua história. Os nativos foram pacificados, os exploradores se apropriaram da ilha e os escravizaram, certo?
        D) _ Exato!
        C) _ E ainda tentas apresentar isso como triunfo ou ponto positivo do cristianismo?
        D) _ Nem como triunfo, nem como ponto positivo, apenas como algo que devia ocorrer. A mensagem cristã jamais teve a intenção do confronto armado, nunca se preocupou com a defesa física em detrimento da espiritual. Ainda que alguns a julguem como um conjunto de regras obsoletas ela se presta também à manutenção da vida alheia. Imagine o que significa isso? Um grupo de extrema hostilidade repentinamente abandonando as armas, valorizando mais a vida do outro que a sua própria? Mas, se falas em triunfo, bem, admitamos que ele existiu.    
        C) _ E quanto a Bougainville? Onde aparece nessa história?...
        D) _ Segundo Aoturo foi ele o destruidor da aldeia. Derrubou as cabanas, ateou fogo às plantações erigidas pelo capelão em benefício dos nativos, violou a integridade física e emocional de todo um povo por meio do estupro de suas moças, a escravidão dos jovens e a morte das crianças de colo. Depois levou Aoturo em suas viagens apresentando-o como uma espécie de prêmio. Nunca o deixavam abrir a boca durante essas viagens alegando estar ele desacostumado à cultura de outros povos. Quando se atirou sobre uma européia tentando transmitir-lhe suas desgraças pessoais foi enxotado feito um cachorro e disseram coisas sobre ele que não condiziam com a realidade.
        C) _ Estranho isso...
        D) _ O quê?
        C) _ Como será que ele pôde compreender o que falavam dele?
        D) _ É provável que a permanência no meio de tais homens o tenha aproximado bastante daquele idioma.
        C) _ Considero esse nativo polido.
        D) _ E eu, muito mais esse capelão e seus esforços missionários.
        C) _ Entrementes o abandonaram aqui nessas praias...
        D) _ Sim, foi posteriormente açoitado e abandonado durante uma daquelas viagens de exploração. O capelão, coitado, teve um fim mais drástico. Instigado a abandonar a fé, e não o fazendo, foi executado após ter as mãos e os pés cortados a golpes de facão.
        C) _ De qualquer modo o fim para ambos. O inexorável instante derradeiro em mãos de homens cruéis.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011


De uma história contada em  Brasília  de  Minas  por  um  sitiante

                         
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  _ Eu  tavo  chegano  do  trabaio,  mas  in  antes  de  í  pra  casa  passei
no  buteco  do  Aristide.  Entrei  cumprimentano  todo  mundo    pruque  tavo  cum  pressa:  "Boa  noite  pra  todos  gente!".   Tava     o Chico,  o  Mané  Zoreia,  o  Arruda,  enfim...  u'as  pár  de  gente.  Corri no barcão,  pedi  u'a  pinga  e    virei  na  guéla  ali  memo.  É  que  eu  tavo  cum  pressa  de  chegá  em  casa,   e   tamém  o  fio  do  Pacheco, meu  cumpanhero  na  lida,  tava  cumigo  e  eu  num  quiria  di  azucriná  muito  o  menino.  Pedi  pu  Aristide  u'a  mão  de  farinha,  virei  na  boca  e  entornei  depressa  o  resto  da  pinga.    foi    enfiá  a  mão no  borso,  pegá  uns  mi'rréis  e  pagá  o  home.  Qué  dizê,...  fiz  tudo  muito  correno  pruque   tava  avexado.    Do  jeito  que  entrei  sai.  Cumprimentei  todo  mundo  de   novo  e  me  arranquei  pela  porta  da frente  pruque  o  menino  táva  me  esperano    bicicreta  na  mão,  que  as  veis  eu  perfiro  mais  a  bicicreta  du  que  o  cavalo,  se  bem  que  naquele  dia  eu  rependi  da  escoia  pruque  o  menino  era  muito dos  lerdo.  Ia  capengano  pelos  camim,  e  eu    véio  c'as  perna  milór  que  as  dei.  Vai  daí  que  quando  tavo  montano  na  bicicreta  foi  que  arreparei  no  véio  Damião  que  tava  assentado  num  banquinho  junto  da  porta.  Apiei  depressa  e  corri  a  cumprimentá  o  home    que  eu  ainda  num  tinha  visto  ele  encostado  ali: "Oi  seu  Damião,  comé  que  vai  o  sinhô,    tomano  a  fresca?".  E  fiquei  ali  proseano  um  poco  inté  que  me  despedi.      Memo  assim  ele  inda  me  disse  quando  eu  tavo  de  saida:
  _ Éeee...  seu  Joaquim,  qué  dizê  c'ocê  num  tinha  me  arreparado  hein!...
  _ É  pro  módi  da  pressa  seu  Damião,  mais  otro  dia  a  gente   cunversa   mais,   inté   logo!   Fica   c'um Deus.  Ispriquei  du  jeito  que  pudi,  peguei  meus  trem  c'o  menino,   montei  na  bicicreta  e  saí...   Mais de  longe,  inté  eu  subí  a  rua  intera,  reparei  que  o  véio  Damião  ficô  me  oiano  pela  estrada.   Inté  eu desaparecê  por  tráis  do  "morro das coruja"  eu  assuntei  qu'ele  que  me  espiava  c'os  zóio  do  tamanho  d'umas  bola  de  vrido.  Vai  que  quando  eu  tavo    pras  banda  do  riacho  doce,   que   é   aquele fio  d'água  que  passa  pelas  terra  do  Olivino,  comecei  a  senti  u'a  cocera  disgramada  na  bunda.  Eu coçava  coçava  e  num  dava  jeito,    pedi  po  menino  pará  um  poco  e me  esperá   em   quanto    eu   ia  no  mato    o  que  era.  "Deve  de    um  rudulêro!",  pensei  arto.  Mais  escrafunchei,  escrafunchei... e  num  tive  módo  de  sabê  o  que  que  era.    amontei de  novo  na  bicicreta  e  cabei  de  chegá  em  casa.  Quando  pedi    muié    u'as  oiada  o  negóço    tava  era  oiano...  tava  criano  uns  oin  assim  em  vorta  do  "sopradô"  e  ardeno  como  se  arguém  tivesse  esfregado  sumo  de  pimenta.  Óia,...  eu  digo  proceis  que  passei  foi  apurado.  As  "nascida" tomaro  conta  das  parte  que  eu  passei  foi  már.  Tive  que  ficá  muitos  dia  c'o  trasêro  prá  riba     ó...  sem  podê  usa  nem  cárça  pro  módi  das  dô...    a   muié  sózinha  contô  pra  mais  de  cem  "nascida".  Ai,  dispois  de  um  meis  sofreno   feito   um   porco   cheio  de  bicho,  foi  que  as  coisa  sarô,  mais  inté  hoje  tenho  as  marca    comigo.  Óia,... passei  os  trem  da  farmácia,  lambusei  tudo  c'os  mato  da  terra,  mais  cabô  que  sarô.  Foi  ai  que  me  falaro  que  aquilo    podia  de    coisa  feita,  e  eu  comecei  ispritá  que  era  memo.  Não  que  eu  gostasse  de   mexê   c'esses  trem,  mais  suspeitei  memo  d'arguma  coisa  e  arresorvi  í  atrais  d'um  curadô  que  tinha  aqui   p'réssas  banda  pra    o  que  que  o  home  dizia.  Cabei  ino  no  tár  curadô  e  mostrei  p'rele  os  arrazo  que  aquele  tróço  tinha  feito  ni  mim.  O  home  mexeu  u'a  vida  lá,  rivirô  uns    preto  que  táva    drento   d'um  vrido  e  terminô  concordano  que  tinha  sido  coisa  feita  memo.    dispois  de  muito  azucriná   ei   foi  que  ei  contô  quem  tinha  sido.  Fiquei  abobado.  É  craro  qu'eu  tinha  minhas  disconfiança  mais  num  queria  er'acreditá  nu'a  coisa  daquela.  Peguei  e  priguntei  pr'ele  se  num  tinha  jeito  de  fazê   c'o   safado  daquele  véio  o  que  ele  tinha  feito  cumigo:  _ Cê  acha  que    pra  castigá  quem     fedeno  dibacho  da  terra?  Ele me disse.  Foi  ai  que  eu  entendi  que  o  véio  Damião    tava  era  morto  memo.
( O  narrador  tira  o  chapéu,  olha  para  o  alto,  e  conclui  depois  de  um  sorriso  escarninho...)
  _ Agora  é  c'as  justiça  de  Deus!...

                                 Sérgio Paulo de Oliveira - 04 maio de 2001