1. Comumente ouvimos conselhos sobre como devemos tratar nossa criança interior. Quase sempre evocam-se as palavras de Jesus tiradas do evangelho: ...das tais é o reino dos céus! Mas será que Jesus tinha alguma coisa a ver com essa recente supervalorização do espírito infantil como vemos hoje em dia? Será que suas palavras ditas num determinado contexto podem ser usadas como sustentáculo para idéias nocivas e completamente descontextualizadas? Ninguém pode negar que há e cada vez de forma mais despudorada uma plangente inclinação para a irresponsabilidade e falta de vergonha daqueles que se dizem simples como crianças. A frase dita por Jesus, obviamente fazia referência à inocência e falta de rancor como comportamento habitual das crianças. Comportamento este que deveria ser idêntico nas atitudes dos adultos. Entretanto, é bom lembrarmos que o mesmo Jesus agiu com energia quando confrontado com a realidade vergonhosa dos vendilhões do templo e dos fariseus que, na sua opinião, eram sepulcros caiados cujo interior não correspondia com a aparência externa.
2. Nosso século será, mais do que qualquer outro, o século da completa sem vergonhice. O que dizer daqueles que se apropriam de versículos isolados da Bíblia para a defesa de seus desejos libertinos? Ah, dizem alguns, as prostitutas tem o seu lugar guardado lá no céu! Malandramente fazem uso de novo das palavras de Jesus quando afirma que as prostitutas entrarão no céu adiante dos religiosos. Fazendo uso de suas atribuições de completos facínoras descartam todo o contexto do versículo para fazerem tais absurdas e pecaminosas afirmações. As palavras do Cristo referem-se àquelas mulheres arrependidas que, a exemplo de Maria Madalena, deixaram tudo, inclusive a vida de pecados, para seguí-lo.
3. O racismo deve ser sempre considerado como um sentimento nojento e nocivo. Não estou falando do racismo fundamentado em brincadeiras inocentes ou tiradas espontâneas. Ainda que tais práticas devam, grosso modo, ser constantemente evitadas por nós, é fato que há frases ou palavras que, quando pronunciadas numa situação idêntica, também deveriam ser consideradas racistas ou, quando muito, prejudiciais e portanto proibidas. Hoje em dia é muito comum ouvirmos sobre a lei que considera os termos “preto” ou “de cor” como termos de forte conteúdo racista. Mas o que dizer daqueles que se referem a outros como “burros”, “idiotas”, “branquelos” ou coisa semelhante? Porque não são os tais também subjugados à mesma lei anti-racista? Parece-me, e estou certo que há aí, uma boa dose de hipocrisia. Eu, particularmente, não gostaria que me considerassem como um burro orelhudo ou um idiota desguarnecido de cérebro. Ninguém pode negar que nós brasileiros carregamos no sangue um resquício de cultura européia que cheira à chocarrice. Gostamos da galhofa e, por isso nos sobram tantos termos pouco recomendáveis para o uso. O racismo a que me refiro é aquele que despreza competências, nega asilo, humilha pessoas e massacra indivíduos. Esse sim é repugnante e pecaminoso. Aos olhos do bom senso todos nós somos iguais e corre em nossas veias um liquido vermelho que, quando exposto à luz, fede e se transforma em esterco. Somos iguais e igualmente marchamos para idêntico destino: a cova.
7. O orgulho está muito unido a altivez de espírito, como quando aquele ser das luzes, lá no íntimo de seu coração afirmava: Subirei acima das estrelas do céu e me assentarei no trono de Deus! Assim é todo aquele que se orgulha por ser melhor que os outros ou por ter mais que os outros. Quem procede em sua vida como se tudo girasse ao seu redor, descobrirá, para seu próprio infortúnio, que ninguém dele sente falta e, ainda que tardiamente, perceberá que o planeta segue seu curso normal sem sua presença. Jesus numa parábola falou sobre o homem que guardou muitos bens e depois, deitado em sua cama, dizia: folga alma, pois tens muitos bens para muito tempo. O resultado desse procedimento orgulhoso foram as palavras vindas do alto em tom colérico: “louco, o que tens preparado para quem será?” Ainda que a sorte nos sobrevenha com muitos bens, e a alegria seja nosso cântico diário, nunca devemos nos esquecer que tudo que temos vem de Deus e só a ele deve ser dada toda gratidão e todo perfeito louvor. Diante de Deus somos pequenos, pífios e sem nenhuma valia. Mas quando elevados à categoria de filhos da divindade, aí é que assumimos nosso papel de coadjuvantes na história. Entretanto, que ninguém se engane julgando que o orgulho acomete apenas aos ricos e abastados deste mundo; há muitos pobres que, mesmo nada tendo, julgam-se muito superiores aos demais homens. Comem o pão da miséria, mas não se inclinam a pedir ajuda; sofrem as penas do abandono, mas não abrem mão do nariz empinado. O orgulho pode se apresentar de muitas formas, num simples piscar de olhos, num sorriso à meia boca, numa palavra espirituosa e até num gesto impensado, mas sempre será uma ofensa a Deus. Entretanto, não podemos confundi-lo com aquele sentimento de felicidade que nos sobrevém quando realizamos algo digno de elogio. Nossas conquistas fazem-nos orgulhosos de nossos feitos e, desde que tal orgulho não nos leve a desprezar as pessoas, não há mal nenhum nele.
9. O amor é o mais nobre sentimento cultivado pela raça humana. Diferentemente da paixão, o amor se desnuda, não para assumir a roupagem do outro, mas, sim, para ajudar a vestir o outro. Quando lemos a história do bom samaritano, percebemos ali um relato cheio de amor, numa história plena de verdades eternas. A primeira verdade é que sempre existem mais pessoas tratando o próximo com indiferença do que com amor. Assim aconteceu com o sacerdote e o levita que passavam junto ao caminho. A segunda verdade é que quem de fato ama pouco se importa com as dificuldades para a manifestação do amor, a exemplo do que fez o bom samaritano. A terceira verdade, se bem que talvez encontrássemos outras, é que quem ama não se preocupa apenas com o presente, mas também com o futuro do objeto de seu amor. Aqui também nos lembramos do bom samaritano deixando pagas, na estalagem, as despesas com o homem ferido e, fazendo menção de que tudo o mais seria pago no futuro. O amor, como disse o apóstolo, tudo suporta tudo sofre e tudo crê. Nenhum exemplo de amor, entretanto, poderá superar aquele manifestado pelo filho de Deus que a si mesmo se entregou por nós. O amor nada faz por obrigação ou medo, mas sim por prazer. Aquele que ama estende a mão, nem que para isso tenha que perdê-la. Aquele que ama sustenta e apóia, aconselha quando acha necessário e abraça quando sente que é preciso.
11. Harmonia é uma palavra muito bonita que significa coesão, unidade, sintonia. Na música ela denota a perfeita ligação entre acordes diferentes que perfazem uma melodia. No trabalho, a harmonia requer coerência de atitudes e propósitos para que seja possível. Nos estudos é preciso que haja harmonia entre as matérias, para que o conhecimento final seja completo e útil. Até a Bíblia, no conjunto de seus sessenta e seis livros, apresenta a noção de harmonia. No entanto, nenhuma harmonia é possível quando há na música um tom que não se coaduna com os demais. Sem coerência no trabalho, ela é impossível. Se ela não existir nos estudos, o resultado final será nulo. E a Bíblia seria completamente inócua sem a harmonia. A harmonia requer conjunto e unidade, grupo e coesão, multiplicidade e sintonia. Se olharmos bem, tudo pede harmonia. Como seria possível a constituição do universo, tal qual o conhecemos, se os planetas não estivessem alinhados harmoniosamente? Existiríamos como igreja sem ela? Triunfaria o cristianismo caso ela não existisse? Seria impossível! Vivamos, pois, em harmonia. Deus , na sua eterna bondade, apenas nos pede que sejamos sábios cultivando a harmonia com ele. Se assim o fizermos nossos passos serão direitos, nossos olhos enxergarão longe, nossas mãos nunca sentirão falta do sustento, nossos lábios falarão a justiça e nosso coração amará a verdade.
13. Deus é tudo o que há de bom e verdadeiro em si mesmo. Isso não significa que ele seja “um ato de bondade”, pois nem sempre um ato de bondade guarda boas intenções, mas sim que ele não pode ser o oposto de bom, nem tampouco guarda consigo desejos maus. Não podemos pensar em Deus como um pai “amoroso” que dá permissão a tudo o que se queira fazer, ou que apóia o filho em todas as suas decisões, quer sejam boas ou más, afinal isso seria considerá-lo como um tolo. Tampouco devemos imaginá-lo como um tirano impiedoso a quem as súplicas de um filho nada represente. Deus é o que é, como disse a Moisés: “Sou o que sou”, portanto qualquer coisa que digamos a respeito dele estará sempre carregada de um puro conteúdo humano. Na verdade o que sabemos, nesse caso, sempre representará um nada diante do que devíamos ou gostaríamos de saber. Entretanto como nosso nível de experiência é o puramente humano e, alicerçados nas experiências humanas, podemos dizer que Ele é bom, misericordioso, justo, verdadeiro, santo e que nos ama. Sem Deus nada existiria, e isso levando em conta que até o “nada” já é uma pressuposição de existência.